Nesta terça-feira (2), quando se
celebra o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, o advogado Renato Rocha,
fundador do Justiça para Todos e do Instituto Mulheres em Ação,
faz um alerta importante: embora haja legislação robusta que assegure direitos
às pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e suas famílias, muitas
dessas garantias ainda não chegam à vida real dos beneficiários.
“Esses direitos existem e são
garantidos por lei. O problema é que, muitas vezes, eles ficam apenas no papel.
As famílias, em especial as mães de crianças autistas, continuam sendo
obrigadas a travar batalhas diárias para ter acesso ao que já lhes pertence por
direito”, afirma Rocha.
Não existem números oficiais
sobre o número de mães responsáveis pelo cuidado de filhos autistas, mas
sabe-se que, em 2024, apenas na rede pública de ensino do DF, havia 10.605
alunos diagnosticados com TEA. Para o advogado, essas mulheres vivem uma luta
invisível que vai além do cuidado diário e da sobrecarga emocional: enfrentam
ainda a burocracia e o despreparo das instituições que deveriam assegurar os
direitos de seus filhos.
Pelo contato que mantemos com
associações que atuam na causa do autismo, estimamos que existam cerca de 19
mil mães de pessoas com TEA no Distrito Federal. São essas mulheres que estão à
frente da maioria das demandas judiciais e administrativas para garantir o que
a legislação já prevê. Elas são as verdadeiras protagonistas dessa luta, e
infelizmente carregam sozinhas esse fardo, muitas vezes sem o apoio do Estado e
da sociedade”, acrescenta.
Legislação garante proteção, mas
falta efetividade
A Lei 12.764/2012, conhecida como
Lei Berenice Piana, foi um marco importante ao reconhecer a pessoa com autismo
como pessoa com deficiência para todos os efeitos legais. Essa legislação
assegura uma série de direitos, como inclusão escolar, acesso a serviços de
saúde, benefícios assistenciais e políticas de inclusão no mercado de trabalho.
Além disso, há garantias
específicas para as famílias, como a possibilidade de redução da carga horária
para servidores públicos que sejam responsáveis por pessoas com deficiência, o
direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS), prioridade em filas de
atendimento, isenção de impostos na compra de veículos, saque do FGTS,
cobertura integral de terapias pelos planos de saúde, entre outros.
“A legislação avançou, mas o
caminho entre a lei e a realidade das famílias continua cheio de barreiras.
Muitos pais e mães sequer têm conhecimento dos direitos que possuem. Outros
tantos, mesmo cientes, enfrentam negativas de escolas, planos de saúde e órgãos
públicos, o que os obriga a buscar a Justiça”, explica o advogado.
Apoio jurídico e acolhimento
Foi justamente para enfrentar
essa realidade que Renato Rocha criou o Justiça para Todos e o Instituto
Mulheres em Ação. Juntas, as instituições oferecem orientação, apoio
jurídico gratuito e acolhimento a famílias que buscam seus direitos e não têm condições
de arcar com custas processuais.
“Nosso trabalho é garantir que
essas famílias não estejam sozinhas. Muitas chegam até nós exaustas, sem saber
mais a quem recorrer, depois de anos de negativas e descasos. Nosso compromisso
é informá-las, orientá-las e, se necessário, entrar com medidas judiciais para
que seus direitos sejam respeitados”, destaca Rocha.
O advogado ressalta que o
problema não está na falta de leis, mas na falta de efetividade e fiscalização.
“O Brasil precisa deixar de tratar a pauta do autismo como uma causa pontual,
lembrada apenas em datas como hoje, e assumir um compromisso permanente com
essas famílias”, defende.
“Direito negado é violência”
Para Renato Rocha, cada direito
negado a uma pessoa com autismo ou à sua família representa uma forma de
violência institucional.
“Quando um plano de saúde limita
sessões de terapia; quando uma escola privada se recusa a fornecer um
acompanhante terapêutico; quando um servidor público precisa brigar na Justiça
para ter a jornada de trabalho reduzida, estamos falando de violações graves.
Não é favor, é direito”, enfatiza.
O advogado reforça que é preciso ir além da conscientização simbólica e transformar o discurso em prática concreta. “Conscientização real começa com informação, acolhimento e garantia de direitos. É isso que nossas instituições buscam fazer todos os dias, e especialmente hoje, deixamos este recado claro: nenhuma mãe, nenhum pai, nenhuma pessoa autista deve caminhar sozinha. A legislação existe e precisa ser cumprida.”