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O espírito olímpico e sua relação com a meritocracia profissional



Dr. André Fusco*

Competir parece-me um instinto bastante infantil. Para os primatas a competição serve para nos tornarmos machos alfa, e assim garantir que todas as fêmeas engravidem de mim. Em alguns animais com sociedade matriarcal é a fêmea alfa que domina e vence as demais. É um impulso que ajuda as espécies a gerarem filhos dos mais fortes. As fêmeas grávidas dos machos alfa, por sua vez, têm mais garantias de ter seus filhos protegidos e garantem também a perpetuação dos seus genes.

 

As artes e o esporte são locais apropriados para dar vazão a estes desejos selvagens. Porque no fundo são “de mentirinha”. No teatro, cinema e televisão assistimos histórias terríveis, mas que nos fascinam e nos deixam ter contato com os nossos desejos proibidos. E isso é prazeroso. O ator brinca de matar quando interpreta um vilão.

 

As Olimpíadas foram criadas para que gastássemos nossa violência competindo. Os países passam a vencer outro numa pista de corrida e não num campo de batalha. O surfista campeão mundial, Gabriel Medina, corajosamente revelou estar esgotado física e mentalmente após conquistar seu terceiro título mundial (se isso não for um burnout, não sei mais o que é). Isso pode mostrar muita coisa.

“Dedicar sua vida à competição fez ele chegar ao topo três vezes e ultrapassar todos os seus limites. Para quê? Ser o melhor não é exemplo para ninguém. Não trouxe realização. Ele não sabia que competir era um show para que os fãs usufruíssem da competição, mas que era de mentira. Todos os surfistas têm o propósito de entreter. A brincadeira é ver quem surfa melhor. O show é de todos. Gabriel foi o campeão porque todos os outros perderam, mas o show é esse. É de todos. Saindo do mar deveriam comemorar juntos o belo show que foi o campeonato. Vencer nada mais é que deixar alguém para trás dando vazão a um comportamento selvagem e infantil. O objetivo de um competidor é vencer para que todos nós possamos lembrar desta vontade que nasce com a gente. Competir é brincar para dar vazão a algo reprimido, selvagem, infantil e natural. É muito prazeroso. Mas é um show. Não podemos levar a sério se não o adulto civilizado se esgota.”

Depois de competir ou assistir a uma competição podemos deixar a brincadeira de lado e voltar à vida. Na vida somos civilizados, somos colaborativos e não competitivos. Minha hipótese: o esporte é brincadeira, é de mentira. Trabalho é sério, coisa de gente grande, e deveria ser mais colaborativo e menos competitivo.

 

Quando o objetivo maior é ser melhor que os outros, ao perder sobra muito pouco. Quando o objetivo é de todos, e a evolução pessoal contribui para um todo maior, o esforço e a dedicação têm sentido e não existe perder. Existe propósito, crescimento e reconhecimento para todos.

 

Ninguém na NASA sabe ir ao espaço sozinho. No entanto, quando o físico aeroespacial que entende de atmosfera se une ao faxineiro, que mantém um ambiente limpo para que todos possam trabalhar, e ainda se juntam ao engenheiro, que entende de combustão e propulsão, já fomos a lua e estamos pensando em ir para Marte. E quando a decolagem do foguete é bem sucedida a gritaria é geral!

 

No mundo do trabalho ainda é forte a crença de que é necessário ter um melhor e o um pior para remunerar corretamente e ser meritocrático. A competição no ambiente de trabalho é tão danosa a nossa saúde quanto qualquer outra fonte de individualismo e solidão. Comparar pessoas é algo que simplesmente aniquila a colaboração e a diversidade. É comparar o incomparável. É simplificar as individualidades. É reduzir a parâmetros simplistas cada pessoa, se pensarmos que no trabalho também somos humanos. Identificar e valorizar os talentos e as vocações é mais produtivo do que comparar colegas de trabalho dentro de parâmetros comuns.

 


No skate vimos uma união entre os competidores que destoou da cultura olímpica. Foi estranho. Quando o garoto australiano fez a volta vencedora, skatistas brasileiros, americanos e japoneses se abraçaram. O objetivo de mostrar ao mundo a magia do skate estava acima da nossa insistência em rotular um atleta de melhor e um outro de pior. No carinho da skatista, a fadinha Raissa Leal, com a skatista japonesa, também ilustra que fazer parte é mais importante que fazer um ranking.

 

Quem sabe em algum momento da jornada humana essa cultura do grupo skatista contamine o esporte olímpico assim como os espaços de trabalho e outras canchas esportivas, onde se poderia esperar que o sucesso de um é sucesso de todos.

 

 

 

* Professor Dr. André Fusco é médico graduado pela Universidade de São Paulo (USP), Psicanalista com Especialização em Psicodinâmica do Trabalho pela Fundação Vanzolini, MBA pela Fundação Getúlio Vargas, Founder & COO UMind Mental Health e TedX Speaker. Como consultor tem atuado no suporte a empresas sobre a complexidade da Saúde Mental e o sofrimento emocional de seus colaboradores, objetivando a produção de resultados sustentáveis por meio de ambientes saudáveis.

umindmentalhealth.com e andrefusco.com.br

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