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João Alfredo Lopes Nyegray*
Há um ano, em 7 de outubro de 2023, o ataque coordenado pelo Hamas a Israel, a partir da Faixa de Gaza, marcou o início de um novo ciclo de violência no Oriente Médio. Com uma resposta israelense considerada desproporcional pela comunidade internacional, especialmente devido aos alarmantes números de civis palestinos mortos, incluindo mulheres e crianças, somada às condições de pobreza extrema e isolamento na Faixa de Gaza, criou-se uma narrativa que atraiu a solidariedade de outros grupos na região, como os Houthi, no Iêmen, e o Hezbollah, no Líbano.
Com o envolvimento de múltiplos atores, o conflito entre Israel e o Hamas rapidamente se expandiu. As ações israelenses, incluindo o suposto uso de explosivos em pagers interceptados do Hezbollah e o assassinato do líder do grupo, Hassan Nasrallah, ocorrido há duas semanas, colocaram o Líbano diretamente no campo de batalha. A retaliação com mísseis balísticos pelo Irã na semana passada, em resposta à morte de líderes como Ismail Haniyeh, intensifica ainda mais a situação.
Nunca antes a situação no Oriente Médio esteve tão volátil. Com a morte de figuras centrais de grupos como o Hezbollah e o Hamas, aliados regionais desses movimentos sentem a necessidade de agir em solidariedade, temendo que a crescente agressividade de Israel e seu apoio ocidental possam comprometer suas próprias estruturas de poder.
O ataque inédito do Irã a Israel, com o lançamento de 180 mísseis balísticos, representa uma escalada perigosa com o potencial de envolver não apenas potências regionais, mas globais. O Irã, já sob forte pressão econômica e política devido às sanções impostas pelos Estados Unidos e seus aliados, pode estar calculando suas ações como uma tentativa de fortalecer sua posição no Oriente Médio, buscando evitar que sua influência sobre grupos como o Hezbollah e o Hamas seja enfraquecida.
Este cenário evidencia um realinhamento das alianças globais, com consequências diretas para a estabilidade do sistema internacional. A guerra na Ucrânia e o conflito no Oriente Médio são dois pontos de ignição que ilustram a fragmentação do poder global. Não se trata mais apenas de uma competição entre grandes potências; há uma rede complexa de atores menores que, com o apoio indireto de grandes nações, podem desencadear conflitos regionais com repercussões globais.
Os Estados Unidos e seus aliados da OTAN encontram-se divididos entre continuar o apoio militar e financeiro à Ucrânia e lidar com a crescente ameaça no Oriente Médio, que agora envolve um conflito direto com o Irã. Esse dilema estratégico coloca o Ocidente em uma posição delicada, especialmente considerando que a China, embora mantenha uma posição relativamente neutra em ambos os conflitos, busca consolidar sua influência global, aproveitando-se das fraquezas e distrações do Ocidente.
A escalada contínua de violência pode resultar em um novo tipo de Guerra Fria, envolvendo não apenas superpotências, mas também uma rede descentralizada de atores estatais e não estatais, todos competindo por espaço e influência em um sistema internacional cada vez mais fragmentado.
Este cenário exige uma abordagem diplomática renovada, mas também expõe as limitações de instituições internacionais, como a ONU e o Conselho de Segurança, que não têm conseguido conter a intensificação dos conflitos. Com o Oriente Médio à beira de um confronto regional maior e a Ucrânia ainda lutando por sua sobrevivência, o futuro próximo parece sombrio e cheio de incertezas.
O Oriente Médio é uma região já marcada por conflitos sectários, rivalidades geopolíticas e disputas por recursos naturais. A eclosão de uma guerra generalizada poderia rapidamente se expandir além das fronteiras dos países diretamente envolvidos, arrastando potências regionais como Irã, Arábia Saudita, Turquia e Israel, além de atores não estatais como o Hezbollah, o Hamas, os Houthi no Iêmen e milícias apoiadas pelo Irã no Iraque e na Síria.
Um estudo publicado por Mearsheimer & Walt sobre alianças regionais destaca que a complexa teia de alianças no Oriente Médio — com o Irã apoiando grupos como o Hezbollah e o Hamas, enquanto Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos apoiam facções sunitas em países como o Iêmen e Síria — pode transformar rapidamente conflitos localizados em confrontos mais amplos e incontroláveis.
O Oriente Médio é o centro da produção global de petróleo e gás natural, e uma guerra generalizada teria impactos imediatos sobre o mercado de energia. O estreito de Ormuz, por onde passa cerca de 20% do petróleo mundial, poderia ser bloqueado ou se tornar um campo de batalha.
O Oriente Médio já enfrenta algumas das maiores crises de refugiados do mundo, especialmente devido aos conflitos na Síria, Iraque e Iêmen. Uma guerra generalizada exacerbaria significativamente esses fluxos migratórios, criando milhões de novos deslocados internos e refugiados. Estudos conduzidos por Crawford et al. (2020) mostram que conflitos prolongados na região forçam populações civis a buscar refúgio em países vizinhos, sobrecarregando as economias locais e os sistemas de assistência humanitária.
Um efeito significativo de uma guerra generalizada no Oriente Médio seria o fortalecimento de grupos extremistas e a disseminação de ideologias radicais. Conflitos prolongados, especialmente aqueles envolvendo intervenções estrangeiras e bombardeios, criam um terreno fértil para a radicalização de jovens. Gerges (2016) analisa o crescimento do jihadismo no contexto do colapso de Estados no Oriente Médio, destacando como esses cenários alimentam movimentos radicais. Nas constantes ignições daquela região, a incerteza é a única constante.
*João Alfredo Lopes Nyegray é doutor e mestre em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Coordenador do curso de Comércio Exterior e do Observatório Global da Universidade Positivo (UP). Instagram: @janyegray