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Opinião: Teatro de Fantoches

Marco Antonio Spinelli*


E se alguém te dissesse que tudo aquilo em que você acredita não passa de uma mentira que te gravaram na cabeça? E que o método de gravação é a criação permanente de imagens e de histórias fantásticas?

Em reunião do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar (como diria José Simão, piada pronta), o candidato a prefeito Guilherme Boulos fez uma prévia do que será a campanha, atacando o quase candidato/gurú/coach Pablo Marçal, a quem classificou de “coach picareta que veio tumultuar”.

Minha esposa, no café da manhã, me perguntou: “Mas quem é Pablo Marçal”? O objetivo da cena foi atingindo. Boulos, ao criar a briga, deu relevância a um sujeito irrelevante, infiltrado numa reunião dessa tal Comissão de Ética e Decoro, com um broche de deputado sem ser deputado.

Vamos fazer uma pausa, para os queridos leitores do outro lado da tela: vivemos numa Sociedade do Espetáculo, (descrita no final dos anos sessenta por Guy Debord), portanto, toda essa cena faz parte de um teatro de máscaras que nos mantém vidrados e, cada vez mais, perdidos com influencers, coaches e toda uma produção circense que vem transformando o mundo nesse grande circo de trapezistas falsos. Quem é quem? O que papéis estão sendo desempenhados nessa pantomima digital?

Pablo Marçal pode ser picareta, mas não é burro. Faz uma mistura de retórica evangélica, bradando palavras de ordem “em nome de Jesus”, misturados com Neurociência, discurso motivacional e curas “milagrosas”, mudanças de “mindset” na direção da grande divindade digital, a Prosperidade. Pablo Marçal é um grande expoente dessa religião coletiva e dominante, baseada na Teologia da Prosperidade. Siga a minha voz e prospere. Destrave a sua riqueza em seis meses. Pare de pagar seus boletos e invista no seu negócio. E assim por diante. Por que Boulos, deputado federal e candidato de peso à Prefeitura de São Paulo, parte para o embate com esse sujeito? A resposta é fácil. Pablo Marçal mesmo deu, em entrevista no dia seguinte, que ele é uma granada sem pino colocada na mão de outro candidato, o atual prefeito Ricardo Nunes. Quem colocou a granada na mão dele? Jair Bolsonaro. Jair, o Messias (pelo menos no nome), quer emplacar alguém da sua tropa como vice na chapa de Ricardo Nunes, que resiste. Pablo Marçal surge do nada como espantalho do bolsonarismo, ameaçando um atropelo como ocorreu em nossa eleição para governador com Tarcísio, embalado por esse movimento e pelo anti petismo. E Boulos? Por que está tirando da sombra esse adversário? Porque tem certeza que sua candidatura vai, no mínimo, causar um estrago em Ricardo Nunes.

Na Sociedade do Espetáculo, onde quase tudo que acontece diante das câmeras é coreografado no sentido de captar corações e mentes. Se eu fosse o Boulos, não cutucaria nessa onça com essa confiança. Pablo Marçal sabe manipular as regras da nova sociedade do espetáculo, a digital, melhor do que ninguém. Ele tem sido repelido pelo establishment político, que lhe tem subtraído candidaturas e mandato, mas uma hora alguém vai pensar: “E se a gente aproveitar esse cara, para outra função que não de espantalho de candidatos”?

Escrevo esse texto enquanto assisto um vídeo em que Pablo Marçal humilha um rapaz em sua palestra, que questionou um “almoço de networking” promovido pelo coach, em que gastou 5 mil reais para comer um estrogonofe em que Pablo ignorou a todos e não fez nem promoveu networking com ninguém. O rapaz questionou se a intenção do cara é só fazer dinheiro, o que Pablo negou, mas ao fim do ritual de humilhação, falou, jocosamente: “Você acabou de me dar milhões”. A briga, viralizada, rendeu frutos para o homem que não queria ganhar dinheiro com seu estrogonofe das estrelas.

As imagens, os símbolos, as narrativas, sempre foram usadas, desde que o mundo é mundo, para manipular pessoas e criar estruturas de poder. Todo dia recebemos uma sobrecarga de imagens, memes e soluções mágicas, visando obter algum tipo de adesão ou objetivo. Tentar interpretar o que está acontecendo nesse teatro de fantoches é uma tarefa diária, cada vez mais exaustiva.

Conheço muita gente séria oferecendo um trabalho de orientação profissional e pessoal em Coaching. Aprecio boas palestras motivacionais, com boas mensagens. Tenho horror que a nossa sociedade do espetáculo premie e aplauda quem humilha outro ser humano diante de centenas de pessoas. Ou que coloque uma lente de aumento no que divide as pessoas, em detrimento do que pode nos unir. Mas, acima de tudo, tenho horror de uma sociedade que se transforma nos fantoches mexidos pelas imagens, pelos shorts, reels e outros artefatos.  

 

 

*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro “Stress - o coelho de Alice tem sempre muita pressa”. 


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