O Brasil gera mais de 81 milhões de toneladas de resíduos por ano. Destes, cerca de 27 milhões de toneladas são potencialmente recicláveis. Em que pese as controvérsias existentes, estima-se que o Brasil recicle algo em torno de 3 a 4% dos resíduos que produz. Embora, em números absolutos, este percentual represente cerca de 3 milhões de toneladas recicladas anualmente, o que é muito, estamos bem distantes do nosso potencial de reciclagem, que são os 27 milhões de toneladas ano. 1
Estes números expressam o grande desafio que é a gestão de resíduos, seja aqui no Brasil ou em qualquer outro país do mundo. A sua eficiente implementação está diretamente ligada ao enfrentamento das mudanças climáticas e a construção de um modelo econômico, social e ambiental sustentável. É este mesmo entendimento que tem levado importantes nações e grandes companhias a se reposicionarem em direção à economia verde, à circularidade dos seus produtos e embalagens e à práticas sustentáveis.
No Brasil, desde 2010, com a sanção da Lei 12.305, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS, foram criados diversos instrumentos para colaborar com um modelo eficiente de gestão de resíduos, dentre os quais, destacam-se a coleta seletiva e a logística reversa. No primeiro caso, tem papel preponderante os órgãos de gestão de resíduos vinculados aos municípios. No segundo, as empresas são responsáveis por garantir o retorno ao ciclo produtivo dos seus produtos e embalagens após o uso pelo consumidor. Em ambos os casos, a implementação, segundo a lei, deve se dar, prioritariamente, com a participação dos catadores e catadoras de materiais recicláveis.
Em relação a logística reversa, a de embalagens é a que tem o maior impacto no nosso dia a dia, pois, muito raramente, consumimos algum produto que não venha em uma embalagem. São estas embalagens que compõem quase 50% da fração seca dos resíduos que geramos diariamente.
Em 2022, após um grande vácuo de atuação, o Governo Federal publicou o Decreto que criou o Recicla+, voltando a atuar na regulamentação da logística reversa. Embora este instrumento tenha trazido alguns pontos positivos, o programa se viu comprometido na sua intenção e em descompasso com a PNRS, uma vez que não garantiu a prioridade de participação dos catadores, criou critérios que restringiam a organização do setor e desconsiderou o trabalho já realizado, há mais de 10 anos, por algumas entidades que garantem a implementação da logística reversa de embalagens no país. Tudo isso, em razão da falta de diálogo, embora o setor empresarial e os catadores tenham insistido por este.
Agora, no último dia 13 de fevereiro, tivemos sanção do Decreto 11.413 pelo Presidente da República, que cria estímulos importantes e corrige rumos para avançarmos com a implementação da logística reversa de embalagens no Brasil.
Dentre os pontos positivos do novo Decreto, podemos destacar: a prioridade estabelecida para a participação dos catadores e catadoras no sistema de logística reversa; o reconhecimento dos diversos modelos de implementação, dando segurança jurídica ao setor e permitindo que as empresas escolham o caminho que melhor responda às suas necessidades de cumprimento das obrigações legais; o reconhecimento e institucionalização do modelo de programas estruturantes de logística reversa, que caracterizam-se pela prioridade na parceria com organizações de catadores e realizam investimentos na base da cadeia da reciclagem, passando por ações de qualificação, assistência técnica e investimentos em maquinário e infraestrutura; e a instituição de regras de verificação de resultados e auditoria de processos, de forma a garantir transparência e compliance dos resultados dos diversos sistemas.
É preciso reconhecer que estes acertos, além do trabalho dedicado e eficiente dos servidores envolvidos, resultam também da opção feita pelo atual governo em dialogar com os diferentes setores implicados pela logística reversa: catadores e catadoras; gestores municipais de resíduos; Ministério Público; associações representativas das empresas usuárias de embalagens e de recicladores; e entidades gestoras de logística reversa.
Não há dúvidas de que alguns aspectos do regulamento editado podem ainda ser melhorados, mas também não se pode negar que ele traz avanços importantíssimos para toda a cadeia da reciclagem e, especialmente, para garantir a inclusão dos catadores e catadoras.
De tudo isso fica a certeza de que não há outro caminho para avançarmos na gestão de resíduos no Brasil, se não a confluência de esforços de todos os setores e a manutenção de um diálogo permanente entre estes e o setor público.
E é por isso que acredito ter chegado a hora de criarmos uma grande Aliança Nacional pela Gestão, Recuperação e Reciclagem dos Resíduos no Brasil, que envolva os setores público e privado e que garanta a participação e a voz das catadoras e catadores na construção de estratégias que nos permitam amplificar os índices de reciclagem no país e ampliar a nossa colaboração no urgente enfrentamento das mudanças climáticas.
Por Dione Manetti - Bacharel em Direito e Presidente do Instituto Pragma