A psicologia, especialmente de reflexão psicanalítica, nos ensinou a pensar o prazer, enquanto gozo, no corpo e através deste, para além dos limites dos acontecimentos relacionais e amorosos e, com isso, aumentou o tecido do que se pode sentir e dizer como o gozar. Logo, com mais liberdade e alta tecnologia de relacionamentos, há tempos vivemos uma revolução do mais gozar. Desta forma, não se goza somente com o sexo-corpo, mas com a sexualidade libidinal em geral, com a alma em todas as formas de alteridade e em especial com o amor na qualidade das relações afetivas. E o que acontece então agora com o gozo, em tempos de pandemia?
Pesquisas e escutas clínicas dão conta de que a libido estacionou e regrediu nos tempos da pandemia. Grande parte dos relacionamentos fixos (cerca de 42%) não está obtendo gozo sexual nenhum. A queixa comum se traduz na perda ou falta de desejo e a descarga da tensão é feita no relacionamento. A tensão da situação de ansiedade, que exige preocupações e cuidados outros mais imediatos, o aumento do estresse da sobrecarga de atividades da sobrevivência cotidiana, a comunização do espaço de lazer e vivência doméstica com o trabalho home office, nos mesmos espaços e rotinas, sem o necessário distanciamento para a boa manutenção do desejo pelo outro, são também fatores que expõem e agravam crises anteriores já existentes, das quais a pandemia é o espelho. Agressões e separações também aumentaram muito.
Por outro lado, os solteiros e descompromissados de relações fixas, que já viviam um boom de relacionamentos, agora falam da tensão e ansiedade da necessidade de ter que suspender o fluxo de contatos e relações sexuais e se auto imporem normas de cuidados e autoproteção. Nesses casos, a maioria (53%) busca a saída no autosexo. Mas, para além das pesquisas, os relatos mostram que há alto índice de transgressão nas regras e que relacionamentos acontecem, mesmo correndo-se riscos, não só do vírus da Covid-19, como também de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), além do aumento de vulnerabilidade a relações promíscuas desprotegidas e abusivas. A qualidade afetiva destas relações imediatistas preocupa.
Todos os dados indicam que há uma nova revolução sexual em curso. O sexo atual se orienta pelo paradigma do “tinder-pornô”, ou seja, um “sexo híbrido” de conversa por aplicativo direto de relacionamento e sexo performático ao estilo dos vídeos eróticos, estimulando a rapidez e a facilidade de um “sexo orgásmico” (ainda muito centrado no gozo masculino). As mulheres reclamam (e com razão) mais respeito à alteridade e ao afeto nas relações; os homens, por mais sexo pornográfico.
E aí, gozou? Se a pergunta, como pensamos, aponta para um alvo de mais qualidade de sexo-convívio, talvez seja melhor deixar ainda a questão no ar.
*Ocir Andreata é psicólogo, professor e pesquisador sobre a sexualidade, coordenador do curso de Pós-Graduação em Sexualidade Humana: Clínica e Educação, da Universidade Positivo. ocirandreata@gmail.com