Sistema educacional é apontado como uma das
causas do problema
Um
estudo encomendado pela NASA pode jogar luz sobre uma discussão que mobiliza
especialistas e educadores. A pesquisa, conduzida pelos cientistas George Land
e Beth Jarman, se baseia em testes realizados com 1.600 crianças nos EUA. No primeiro teste, as crianças
tinham entre 3 e 5 anos e 98% apresentaram alta criatividade; o mesmo grupo foi
testado aos 10 anos e esse percentual caiu para 30%; aos 15 anos, somente 12%
mantiveram um alto índice de criatividade. Um teste similar foi aplicado
posteriormente em mais 200 mil adultos e apenas 2% se mostraram altamente
criativos. Para os cientistas que conduziram os testes, a conclusão é de que ao
longo do tempo as pessoas aprendem a ser 'não criativos'.
Onde está o problema? A família, a escola e as empresas
têm tido sucesso em inibir o pensamento criativo. Os pais, ao educar, ainda que
inconscientemente, acabam tolhendo e limitando o desenvolvimento do 'pensar'
dos filhos, ensinando, desde cedo, que há apenas dois caminhos a seguir: o
certo e o errado. Empregadores e gestores que adotam discursos valorizando a
criatividade, muitas vezes também seguem na direção contrária, engessando e
formatando fluxos e processos. Embora o mercado de trabalho valorize cada vez
mais a criatividade como um atributo essencial, as empresas ainda falham ao não
rever processos internos, metodologias e estruturas organizacionais que
comprometem o exercício e o estímulo ao livre pensamento. Um estudo feito pela Adobe com mais de 5 mil pessoas em
cinco países mostrou que profissionais criativos têm uma renda até 13% mais
alta que os demais. Além disso, esses indivíduos são mais produtivos e mais
competitivos. Nada mais lógico, então, que estimular o exercício da
criatividade desde cedo.
O
assessor de Arte do Sistema de Ensino Aprende Brasil, Rafael Pawlina, explica
que “desenvolver a criatividade é tão importante para os estudantes quanto
qualquer outro conteúdo do currículo escolar. Tanto que está incluída entre as
competências socioemocionais propostas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC)”.
Segundo ele, é por meio da criatividade que as crianças poderão colocar os
conteúdos em prática - e cabe à escola contribuir com um ambiente que permita
desenvolver essa habilidade.
Arte para alimentar a criatividade
Algumas
iniciativas simples podem contribuir nesse sentido. No pequeno município de
Içara, perto do litoral de Santa Catarina, a Secretaria de Educação entendeu
que, principalmente devido à pandemia de Covid-19, era necessário investir em
atividades que ajudassem a aflorar a ludicidade e a criatividade nos estudantes
da rede municipal. Assim nasceu o projeto “Um Artista em Minha Casa”, que
promoveu encontros virtuais entre as crianças e artistas de diversas áreas para
falar sobre arte e criatividade.
A
coordenadora pedagógica de artes da rede municipal de ensino, Lilian Rosane
Phillippi, explica que a ideia do projeto é permitir que as crianças conheçam e
interajam com artistas locais e nacionais. "Trabalhamos com alunos de
várias séries juntos, estudando vida e obra dos artistas e, depois, trouxemos
esses artistas para ter uma conversa com as turmas”.
Iniciativas
como essa são fundamentais para a construção de repertório das crianças, como
lembra Pawlina. “Quando criamos, estamos, na verdade, acessando nossa memória e
buscando referências ali. No caso de um desenho, vamos buscar referências de
imagens que vimos, lugares em que estivemos, vivências que tivemos. Depois é
que vamos colocar isso no papel. Então, oferecer repertório para os estudantes
é essencial, porque amplia as possibilidades que eles vão acessar quando
precisarem ser criativos”, explica.
Escola criativa
A
criatividade também pode ser estimulada eliminando práticas que limitam o
potencial criativo dos estudantes. Pawlina alerta que, ao dar um problema para
a criança resolver, é preciso deixar que ela o resolva sem limitar as
possibilidades a “certo” e “errado”. “Muitas vezes, a criança não consegue ser
criativa porque está com medo de errar. Quanto mais medo de errar, menos
criativa ela será. Então é bom deixarmos as crianças livres para pensar fora da
caixa”, finaliza.
Segundo
o jornalista, publicitário e escritor Paulo Tadeu, autor do livro “Exercícios
de Criatividade: 50 desafios para a mente sair do lugar comum”, no ambiente
escolar, sempre existe uma briga entre disciplina e indisciplina. "A mente
criativa tem uma indisciplina interna, está sempre buscando sair do lugar
comum. Por outro lado, a criatividade precisa da repetição, da transpiração - e
isso requer disciplina. Cabe à escola, portanto, equilibrar a necessidade da
disciplina e a possibilidade da criação e inovação livres", afirma.
Outro
fator importante, segundo Tadeu, é permitir que os estudantes entendam que é
possível ser criativo em qualquer área, em qualquer momento. “A criatividade
não está ligada apenas a atividades artísticas ou profissões específicas, mas
principalmente às mentes curiosas. Hoje, isso é muito visto no universo das startups, com jovens criando empresas,
produtos, ideias novas e vendo que a inovação traz resultados, traz dinheiro.
Ser criativo não é necessariamente ser revolucionário. A humanidade evolui com
pequenas inovações, pequenos ajustes”, destaca.
Esses e outros debates sobre o
papel das escolas no estímulo à criatividade estão no 17º episódio do podcast PodAprender, cujo tema é “Criatividade: como desenvolver, praticar e
ensinar?”. O programa pode ser ouvido no site do Sistema de Ensino Aprende
Brasil (sistemaaprendebrasil.com.br), nas plataformas
Spotify, Deezer, Apple Podcasts, Google Podcasts e nos principais agregadores
de podcasts disponíveis no Brasil.