*João Alfredo Lopes Nyegray
O ano de 2020 será um daqueles que ficam marcados na história pelos grandes desafios e perdas que trouxe. Logo no início de janeiro, o ataque estadunidense a um general iraniano deixou o mundo na angústia de um novo conflito militar. Depois, queimadas na Austrália e a expansão global do Covid-19, que mudou nossas vidas, a economia de uma centena de nações e as vidas de bilhões de pessoas. Como se isso não bastasse, testemunhamos ciclones e terremotos na Índia, surtos de ebola no Congo e uma nuvem de gafanhotos pelo Mercosul (aliás, alguém sabe para onde eles foram?). No Brasil, passamos por chuvas incessantes e tragédias no Rio e em São Paulo, cerveja envenenada e uma rodada nacional de queimadas e desmatamentos, além do desemprego crescente provocado pela retração econômica fruto da pandemia.
Além dos mais de um milhão de mortos vitimados pelo Covid-19, grandes nomes como Kobe Bryant, Geert Hofstede, Damásio de Jesus, Jack Welch e Afonso Arinos nos deixaram. É nessa leva de despedidas de notáveis e pesar contínuo, que 2020 também marcou o falecimento de Ruth Bader Ginsburg, juíza da Suprema Corte dos EUA desde a década de 1990.
Tal qual ocorre no Brasil, os Estados Unidos contam também com um tribunal federal supremo, a quem cabe as decisões finais sobre temas altamente relevantes, muitos dos quais de natureza constitucional. Outra semelhança entre as cortes máximas dos dois países reside na nomeação presidencial e na aprovação pelo Senado. Enquanto no Brasil temos 11 ministros no Supremo, a Suprema Corte dos EUA conta com 9 magistrados.
Ginsburg, nomeada por Bill Clinton em 1993, possui como Alma Mater as Universidades de Cornell, Harvard e Columbia. Como se esse histórico acadêmico já não fosse o suficiente para abrir-lhe todas as portas possíveis, Ruth sofreu preconceitos pelo seu gênero, tendo inúmeros cargos negados. Essa foi uma, dentre inúmeras das razões, pelas quais a magistrada destacou-se na luta pelos Direitos das Mulheres e pelas Liberdades Civis.
Ruth Ginsburg faleceu em 18 de setembro, em decorrência de um câncer, deixando vago seu lugar na Suprema Corte. Coube a Donald Trump, a indicação de quem a sucederá na mais alta corte federal daquele país. A indicada foi a conservadora Amy Coney Barrett, de perfil bastante distinto em relação à antecessora. Questiona-se se o Senado – de maioria Republicana, partido de Trump – analisará ou não a escolha do presidente antes das eleições e da posse do próximo mandatário.
Quando, em 2016, Barack Obama indicou Mitch McConnell para a vaga do falecido Antonin Scalia, o Senado não analisou a nomeação. À época a negativa de análise deu-se pelo fato de que – conforme os próprios senadores – a escolha de um nome à Suprema Corte deve refletir a voz das urnas. Uma vez que Obama estava próximo do final de seu mandato, a escolha deveria caber ao sucessor.
Por razões de isonomia e continuidade, o mesmo deve ocorrer agora. A opção por aguardar o resultado das eleições foi inclusive apontada por alguns senadores do partido do presidente. Caso Trump se reeleja, deve-se analisar o nome de Amy Barrett. Caso não se reeleja, um outro nome deve ser apontado por Joe Biden, contendor direto de Trump à Casa Branca.
Outra razão para que a indicação caiba ao próximo presidente reside na potencial judicialização das eleições. Donald Trump, atualmente atrás de Biden em todas as pesquisas eleitorais, já indicou várias vezes que pode recorrer à Suprema Corte em caso de vitória do adversário. Nesse cenário, uma corte composta por três indicados seus (Neil Gorsuch em 2017, Brett Kavanaugh e 2018 e Amy Barrett agora), poderia macular a tão necessária imparcialidade do Poder Judiciário, pressuposto processual básico em qualquer Estado Democrático de Direito.
O historiador Allan Lichtman, considerado o “Nostradamus das eleições presidenciais”, e autor dos livros The Thirteen Keys to the Presidency e The Keys to the White House (“Treze Chaves para a Presidência” e “As Chaves para a Casa Branca”, em tradução livre) apontou com exatidão os vencedores das eleições presidenciais dos EUA nas últimas quatro décadas. Sua aposta para 2020? Joe Biden, com base em 13 critérios distintos.
Se a previsão de Lichtman se confirmar e o nome de Amy Barrett for analisado e aprovado pelo Senado, Trump teria indicado três dos nove juízes da Corte, o que poderia pesar a seu favor caso o pleito termine judicializado. Se o precedente de 2016 for rompido, a indicação de Trump pode ser analisada até 30 de outubro, apenas quatro dias antes das eleições. Estando o Republicano atrás nas pesquisas, a prudência aponta para o aguardo.
*João Alfredo Lopes Nyegray, doutorando em estratégia, mestre em internacionalização. Advogado, formado em Relações Internacionais e especialista em Negócios Internacionais, é autor dos livros “Projetos Internacionais – estratégias de expansão empresarial” e “Legislação Aduaneira, negócios internacionais e Comércio Exterior” e coordenador do curso de Comércio Exterior na Universidade Positivo.